A Descolonização Africana



Os movimentos de resistência e luta contra a dominação imperialista na África data do século XIX. Entretanto, os mesmos se intensificaram no curso da primeira metade do século XX. A Primeira Grande Guerra Mundial aprofundou ainda mais os níveis de pobreza em um continente já arrasado pela espoliação colonial.
A Primeira Guerra Mundial contribuiu bastante para o afloramento do sentimento nacionalista entre os africanos. Muitos deles participaram de maneira intensa dos combates e ouviram promessas de reformas sociais, de direitos, igualdade e justiça social. Ao regressarem para os seus respectivos países, eles viram os seus conterrâneos vivendo abaixo da linha da pobreza e não era difícil associar aquela situação de penúria à política colonialista. Dessa maneira, intensificaram-se ainda mais a crítica aberta e a luta contra a dominação estrangeira. Nos anos 1920, já eram correntes as declarações contrárias à dominação colonialista e várias associações e partidos políticos passaram a defender o direito a autodeterminação e a igualdade entre os povos. Deve-se destacar o papel decisivo desempenhado por muitos estudantes africanos que se deslocaram para países colonialistas com a finalidade de estudar e se graduar. Ao chegarem lá, muitos deles ingressaram em Partidos Comunistas e Socialistas europeus ou fundaram associações ligadas à causa independentista.
Na mesma medida ressalta-se a atuação das elites culturais africanas. Frente a postura brutal dos colonizadores, os quais negavam e inferiorizava a cultura dos africanos, elas atuaram fortemente no sentido de formar uma consciência anticolonialista, que foi a base dos movimentos culturais do PAN-AFRICANISMO.

OS MOVIMENTOS DE DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA
Os processos de libertação nacional na África tiveram caminhos bastante diversos e não ocorreram ao mesmo tempo. Algumas colônias tornaram-se livres por meio de acordos com os países colonizadores. Outras, porém, encontraram forte resistência por parte de suas metrópoles e não tiveram alternativa senão apelar para a luta armada.
Os exemplos mais exponenciais foram os das colônias portuguesas, as últimas a se libertarem das garras dos lusitanos. Em Moçambique, vários partidos, associações e jornais foram criados objetivando combater o colonialismo. Um de seus líderes, Eduardo Mondlane, principal articulador do movimento anticolonial, fundou, em 1962, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), morto sete anos depois, quando a luta já havia iniciado contra Portugal. Após a sua morte, Samora Machel assumiu a direção da Frelimo e, liderando uma troca de mais de 80 mil soldados, derrotou as tropas portuguesas. Em 25 de junho de 1975, finalmente a independência de Moçambique foi reconhecida.
Outro exemplo de luta pela libertação aconteceu em Angola. Nessa colônia, a luta começou nas décadas de 1950 e 1960, quando alguns agrupamentos políticos surgiram e atuaram separadamente em diferentes regiões, mas se tornaram peças chaves para a consolidação da luta pela independência. Dentre outros agrupamentos políticos destacaram-se a Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA), o Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA). Após vários anos de luta, os líderes desses segmentos partidários, assinaram um acordo com o governo português e traçaram um plano para o estabelecimento de um governo de transição, pondo fim à guerra que se arrastou por muitos anos. Em 11 de novembro de 1975, foi proclamada a independência de Angola.
É sugestivo salientar que por detrás de todas as lutas de libertação nacional do continente africano, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética e seus aliados tiveram papéis importantes. Interessados em estabelecer seus tentáculos no continente já há séculos espoliado, as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial pleiteavam livrar aquele continente da dominação das antigas metrópoles, como França, Inglaterra, Bélgica e Portugal para assumir, doravante, o domínio político e econômico do continente. Não é sem razão que em Angola e em Moçambique, soldados cubanos lutaram ao lado das forças nacionalistas, além do fornecimento de armas por parte da URSS. O mesmo fez os Estados Unidos nas áreas que lhes interessava.

A POLÍTICA DO APARTHEID NA ÁFRICA DO SUL

Embora o Apartheid tenha ganhado notoriedade na segunda metade do século XX, a sua origem remonta às centúrias anteriores, mas precisamente à segunda metade do século XVII. Foi nessa época que colonos holandeses calvinistas, denominados bôeres, desembarcaram no Cabo da Boa Esperança. Nessa região, habitada por nativos conhecidos como hotentotes, os holandeses passaram a viver e fincar raízes. Mais tarde, os seus descendentes ficariam conhecidos como africânderes e constituiriam uma classe de gente endinheirada e separatista. Para os africânderes uma das suas missões na face da terra era preservar as diferenças entre as “raças”. Conforme as suas concepções religiosas, negros e brancos eram de fato diferentes e torná-los semelhantes seria um procedimento contrário às leis divinas.
Foi, todavia, no ano de 1858, que ocorreu a institucionalização da segregação racial e a proibição da miscigenação de raças com a promulgação da Constituição do Transvaal, abrindo caminho para os fundamentos do Apartheid. Nas primeiras décadas do século XX, a situação ficou ainda mais crítica para os negros da região conhecida como União Sul-Africana (como se chamaria aquela região a partir de 1910), pois uma série de leis proibitivas foi aprovada visando limitar, para não dizer impedir, qualquer acesso dos negros à moradia e ao trabalho. Em reação a essa política segregacionista, os negros se organizaram e, no período entre a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial, criaram o Partido South African Native National Congress, o qual, a partir de 1925, passou a se chamar Congresso Nacional Africano (CNA).
Nos primeiros anos da década de 1950, porém, um duro golpe seria dado nas pretensões dos sul-africanos. Hendrik Verwoerd, membro do Partido Nacionalista, que promovia as políticas do Apartheid, chegou ao cargo de Primeiro-Ministro da União Sul-Africana. Sua estratégia política consistiu em uma falsa propaganda de coexistência pacífica entre negros e brancos, onde, segundo ele, todos deveriam conviver como “bons vizinhos”. Todavia, seu discurso escamoteava uma prática política que acentuaria ainda mais o processo de exclusão e preconceito racial.

A REAÇÃO NEGRA E A DURA REPRESSÃO BRANCA

Na década de 1960, não mais suportando os limites da segregação do Partido Nacionalista, negros e mestiços organizaram uma grande manifestação contra a obrigatoriedade do uso de passaporte na cidade de Sharpeville. Nesse episódio, mais de 15 mil manifestantes se dirigiram a uma delegacia de polícia e solicitaram seu aprisionamento por não portarem o documento exigido por lei. Tal manifestação foi duramente reprimida, mas os seus efeitos ecoaram por todo o país. Como resultado da repressão policial aos manifestantes, milhares de pessoas resolveram queimar os seus passaportes, o que provocou a prisão de mais de 20 mil cidadãos sul-africanos. Como medida ainda mais dura, o Congresso Nacional Africano e o Congresso Pan-Africano foram colocados na ilegalidade.
Um dos seus principais líderes, um jovem líder que ficaria mais tarde mundialmente conhecido, Nelson Mandela, decidiu que já era hora do Congresso Nacional Africano, em face da repressão do governo, deixar de lado a luta pacífica contra o Apartheid e assumir a estratégia da luta armada para pôr fim ao segregacionismo racial.
Suas declarações soaram como um ato revolucionário e após quinze meses de perseguição, Mandela finalmente foi detido em 1962, julgado no Tribunal Fechado, na cidade de Pretória, e condenado à pena máxima, ao lado de mais sete militantes. A notícia da condenação à pena de morte de Nelson Mandela e dos seus correligionários se espalhou pelo mundo e, por todos os países, milhares de manifestações exigiram a revogação do crime. Por fim, em face às pressões internacionais, o governo Sul-africano comutou a pena de morte para prisão perpétua. Mandela e os seus companheiros viveram por mais de 28 anos encarcerados na prisão da Ilha Robben.
Durante todo o tempo em que esteve preso, Nelson Mandela manteve-se firme nas suas convicções políticas e jamais negociou uma possível libertação em troca de abrir mão dos seus princípios. Advogado de boa formação, Mandela conseguiu, nos anos de prisão, escrever muitas cartas e declarações dirigidas às organizações que lutavam contra o Apartheid. Uma delas, endereçada à NCA (A Liga Jovem, que  ele mesmo fundou ao lado de outros militantes), foi veiculada nos anos 1980

A SUPRESSÃO DO APARTHEID

O curso da década de 1970 a conjuntura internacional, ainda que conturbada, não estava mais tão favorável à política discriminatória do Apartheid. A imagem do país, cujo governo era visto como altamente repressivo, segregacionista e cruel, levou aos órgãos internacionais a adotarem medidas restritivas a África do Sul. No âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU, o país perdeu assento na Assembleia Geral das Nações. Além disso, a ONU recomendou aos seus membros a suspensão imediata do fornecimento de petróleo e armas para a África do Sul.
Em princípios dos anos 1980, após sentirem as consequências das pressões e retaliações internacionais, alguns membros do partido Nacionalista entenderam que não havia mais condições políticas de sustentar um governo baseado na exclusão da maioria da população. O passo inicial foi dado quando cinquenta africânderes progressistas realizaram um encontro oficial com os líderes do Congresso Nacional Africano, no Senegal. Naquele encontro ficou decidido que o Partido Comunista, o Congresso Nacional Africano e o Partido Pan-Africano sairiam da clandestinidade. Além disso, Nelson Mandela, símbolo da luta contra a segregação racial, foi finalmente libertado.

Como medida transitória, formou-se um Comitê Executivo para a realização do processo eleitoral, marcado para o mês de abril de 1994. Como resposta histórica a tudo o que representou o Apartheid, Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul. Além de grande líder político, Mandela acumulou, ao longo da sua vida, condecorações, prêmios, como o Nobel da paz. Seu legado se irradiou por todo o mundo e, até hoje, a sua imagem é vista por muitos movimentos como a verdadeira encarnação da luta contra qualquer tipo de discriminação racial e social.

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