Literatura: Pré-Modernismo, o Futurismo e Marinetti


O Futurismo é a vanguarda europeia (e que ramificou-se por todo o globo a partir da Itália) com temática futurista, como a exaltação da tecnologia, da máquina, da indústria em geral e indicava que as artes demolissem o passado e tudo o mais que significasse tradição, e celebrassem a velocidade, a era mecânica, a eletricidade, o dinamismo, a guerra.
O culto à máquina e à velocidade é a representação de uma ruptura com um passado lento, monótono, um passado atrasado tecnologicamente. A velocidade oferece a ideia de uma fuga desse passado, sendo, portanto, esta a perspectiva do futurista. A guerra era vista como uma forma de higiene do mundo, uma vez que, mediante ela, findam-se os conflitos.
Outra característica que temos do Futurismo corresponde à questão da realidade em pleno movimento. Podemos percebê-la mediante as pinturas do Futurismo, pois todas estas buscavam retratar a imagem em movimento.
Sorvolando in spirale il colosseo” por Spiralata, 1930

Este foi o único movimento italiano de vanguarda, no entanto o mais radical de todos, por pregar ruidosamente a antitradicionalismo. Ele, o movimento, é responsável por mais de trinta manifestos (pelo menos 20 com fontes seguras), com a primeira publicação em a cerca de 22 de fevereiro de 1909, pelo autor Filippo Tommaso Marinetti.
Os manifestos traziam rompimento com a norma culta, com a gramática tradicional e apresentava versos livres e linguagem sem apego a normas. O manifesto demonstrava também sua oposição às fórmulas tradicionais e acadêmicas, expondo a necessidade de abandonar as velhas ordens e criar uma arte livre e anárquica, capaz de expressar o dinamismo e a energia da moderna sociedade industrial.
Na literatura, era pregava a destruição da sintaxe e qualquer ordem era vista com maus olhos. Assim, as palavras deveriam aparecer da maneira como eram concebidas, sem pontuação, no fluxo do pensamento e do sentimento, em grande velocidade.
Seguindo o caminho da velocidade, os textos não se encontravam obrigados a estabelecerem nexos coesivos (uso de conjunções), os verbos não precisavam ser conjugados, apresentando basicamente substantivos. Assim, a adjetivação não será um uso do futurista, pois ela causa pausa e monotonia textual. O futurista deseja a velocidade da máquina. Portanto, eles buscaram fazer essa tentativa de representação da velocidade por meio da analogia estabelecida entre diversos substantivos. Por mais absurdos que parecessem, tais analogias serviriam para imprimir velocidade à significação.

Para entendermos melhor a maneira como o texto literário é elaborado pelos futuristas, leia e analise o fragmento do poema “Ode triunfal”, de Álvaro de Campos, um heterônimo de Fernando Pessoa e simpatizante do Manifesto.

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
 Tenho febre e escrevo.
 Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
 Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
 Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
 Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
 Em fúria fora e dentro de mim,
 Por todos os meus nervos dissecados fora,
 Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
 Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
 De vos ouvir demasiadamente de perto,
 E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
 De expressão de todas as minhas sensações,
 Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!”

Embora seja visível as pontuações e respeito a algumas normas, o culto à velocidade, às máquinas e a modernidade em geral é marcante no poema.
Marinetti e o Futurismo
Marinetti radicou-se definitivamente na Itália e glorificou a I Guerra Mundial como o mais belo poema futurista, alistou-se no exército italiano, defendeu a intervenção italiana naquela guerra e ingressou no Partido Fascista (1919). Politicamente foi um ativo militante fascista e chegou a afirmar que a ideologia fascista representava uma extensão natural das ideias futuristas. Sendo simpatizante do Fascismo, o Futurismo de Marinetti serviu como máquina de propaganda para essa forma de governo.
Deve-se ressaltar que o Futurismo foi uma arte com muito mais manifestos do que manifestações, tendo o início, como já dito, com a publicação de Marinetti, que pode ser vista a seguir:

Manifesto do Futurismo

  1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e do destemor.
  2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
  3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
  4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia. (obs: Vitória de Samotrácia é uma escultura datada há mais de 2200 anos e com grande clamor e exaltação do público).
  5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
  6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
  7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.
  8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.
  9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
  10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
  11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, quepateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.
Este foi apenas o primeiro de uma série de mais de 30 manifestos que o autor lançou ao mundo. Em todos, a mesma proposta violenta de destruição total do passado; o mesmo fascínio pela guerra, exercida por homens, que promove o fim de museus e bibliotecas, símbolo das amarras culturais; a mesma exaltação pelas formas do mundo moderno: automóveis, aviões, em um eterno culto à velocidade. A singularidade encontrada em seus manifestos torna-se mais fácil, compreensível, entender o Futurismo. A certeza do caráter perecível da própria obra que pretendiam também é encontrada na obra.

Por fim, para entender-se melhor os pensamentos de Marinetti, segue uma de suas frases marcantes: “É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o “futurismo”, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários. Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.”

Apesar de claramente antifeminista, o futurismo também atraiu mulheres. A escritora Valentine de Saint-Point chegou a publicar um manifesto da mulher futurista, que não ficou atrás do dos homens em termos de agressividade: “O que mais falta às mulheres, assim como aos homens, é a masculinidade. E para conferir mais masculinidade às nossas raças, fixadas na feminilidade, é preciso confrontá-las com a brutalidade. É preciso impor um novo dogma da energia aos homens e mulheres, para que a civilização finalmente atinja um nível mais elevado.”

As ideias futuristas chegaram ao Brasil através do escritor Oswald de Andrade em sua viagem à Europa. Contudo, Andrade teve contato com o Futurismo antes da adesão de Marinetti, principal divulgador e dito como o próprio fundador dessa vanguarda, à ideologia fascista. Oswald é, portanto, o escritor responsável pela introdução do ideário futurista no Brasil, porém, com uma denotação mais suave do que o original europeu. Sendo assim, os simpatizantes brasileiros do Manifesto de Marinetti aceitavam suas ideias artísticas e repudiavam seu posicionamento político.

Nessa primeira manifestação Pré-Modernista, encontra-se famosas frases de efeito e que tanto provocaram na época, como: “O tempo e o espaço morreram ontem. Vivemos já no absoluto, já que criamos a eterna velocidade onipresente.”

Para conhecer mais sobre Marinetti e sua trilha literária, recomendo a leitura deste artigo: Filippo Marinetti – entre o Futurismo e o Fascismo

Comentários